Para participantes ouvidos pelo Observatório, Conae deve estabelecer diretrizes para 11 pontos do Plano Nacional de Educação que deverão ser regulamentados nos próximos anos
A aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em junho deste ano, foi resultado de um ciclo de debates e mobilizações da sociedade civil que teve início em 2008 - quando ainda estava em vigor o primeiro PNE (2000-2010) - com a realização da Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb). Quase seis anos depois e com o novo Plano já em vigor, novas disputas deverão ser travadas em torno das regulamentações previstas na lei. Levantamento do Observatório da Educação aponta que ao menos 11 pontos da
Lei do PNE (13.005/14) dependerão de regulamentação específica para sair do papel.
De acordo com lideranças da sociedade civil ouvidas pelo Observatório, estas questões deverão ser objeto de debate da etapa nacional da II Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada entre os dias 19 e 23 de novembro, em Brasília. A Conferência deve reunir cerca de 3,5 mil pessoas, entre educadores, pesquisadores, gestores públicos, parlamentares e representantes de organizações da sociedade civil, para debater diretrizes para o Sistema Nacional de Educação (
leia matéria sobre as expectativas dos delegados).
“Faltou regulamentar as demandas institucionais [do Plano Nacional de Educação] que ficaram abertas. A Conferência é importante para mostrar para o governo que ele não pode fugir de responder a essas demandas”, afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Daniel lista como pontos a serem debatidos após a aprovação do PNE a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação; a produção de relatórios bienais sobre o cumprimento das metas e estratégias; a criação de uma instância permanente de negociação e cooperação entre União, estados, Distrito Federal e municípios; o estabelecimento de leis específicas para a gestão democrática da educação pública; a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica; a implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) em até dois anos após a publicação da Lei do PNE; a instituição de uma Lei para garantir a complementação do Governo Federal ao CAQi e, posteriormente, ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ); a pactuação da Base Nacional Comum Curricular; a confecção da Lei de Responsabilidade Educacional; e, por fim, a instituição do Sistema Nacional de Educação.
Veja na tabela abaixo os principais pontos do PNE que deverão ser regulamentados nos próximos anos e seus respectivos prazos.
Questão a ser regulamentada
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Artigo, meta ou estratégia
no texto da Lei do PNE
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Prazo após aprovação
do PNE
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Elaboração ou revisão de Planos Estaduais e Municipais de Educação
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Artigo 8º: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.”
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1 ano
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Sistema Nacional de Educação e regime de colaboração entre os entes federados
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Estratégia 20.9: “regulamentar o parágrafo único do art. 23 e o art. 211 da Constituição Federal, no prazo de 2 (dois) anos, por lei complementar, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste.”
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2 anos
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Lei de Responsabilidade Educacional
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Estratégia 20.11: “aprovar, no prazo de 1 (um) ano, Lei de Responsabilidade Educacional, assegurando padrão de qualidade na educação básica, em cada sistema e rede de ensino, aferida pelo processo de metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais.”
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1 ano
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Base Nacional Curricular Comum
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Estratégia 2.1: “o Ministério da Educação, em articulação e colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, deverá, até o final do 2o (segundo) ano de vigência deste PNE, elaborar e encaminhar ao Conselho Nacional de Educação, precedida de consulta pública nacional, proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os (as) alunos (as) do ensino fundamental.”
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2 anos
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Gestão democrática
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Artigo 9º: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.”
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2 anos
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Parâmetros de qualidade de infraestrutura e insumos
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Estratégia 7.21: “A União, em regime de colaboração com os entes federados subnacionais, estabelecerá, no prazo de 2 (dois) anos contados da publicação desta Lei, parâmetros mínimos de qualidade dos serviços da educação básica, a serem utilizados como referência para infraestrutura das escolas, recursos pedagógicos, entre outros insumos relevantes, bem como instrumento para adoção de medidas para a melhoria da qualidade do ensino;
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2 anos
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Estabelecimento do Custo Aluno-Qualidade (CAQ)
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Estratégia 20.8: “O CAQ será definido no prazo de 3 (três) anos e será continuamente ajustado, com base em metodologia formulada pelo Ministério da Educação - MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação - FNE, pelo Conselho Nacional de Educação - CNE e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal.”
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3 anos
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Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
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Artigo 11: “ O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, coordenado pela União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, constituirá fonte de informação para a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de ensino.”
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Sem prazo determinado dentro do período de vigência do Plano (10 anos)
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Complementação da União ao Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ)
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Estratégia 20.10: “Caberá à União, na forma da lei, a complementação de recursos financeiros a todos os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.”
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Sem prazo determinado dentro do período de vigência do Plano (10 anos)
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Indicadores de qualidade na Educação Especial
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Estratégia 4.14 ”Definir, no segundo ano de vigência deste PNE, indicadores de qualidade e política de avaliação e supervisão para o funcionamento de instituições públicas e privadas que prestam atendimento a alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.”
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2 anos
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Avaliação da qualidade da Educação Infantil
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Estratégia 1.6: “Implantar, até o segundo ano de vigência deste PNE, avaliação da educação infantil, a ser realizada a cada 2 (dois) anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes.”
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2 anos
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Alessio Costa Lima, vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), acredita que a etapa nacional da Conae 2014 será um momento oportuno para discutir a implementação do PNE com base nos pontos a serem normatizados. “O Plano Nacional traz a necessidade de regulamentação de uma série de questões que estão interligadas, inclusive. Você tem que fazer isso de uma forma articulada. Muitas das questões precisarão ser explicitadas para entendermos como serão as condições e prazos reais para efetivá-las”, afirma o dirigente, que destaca o regime de colaboração entre os entes federados, a criação ou adequação de planos locais de educação e a complementação da União ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como principais desafios.
Custo Aluno-Qualidade
Para Alessio, sem a complementação de recursos da União, a efetivação do CAQ poderá ficar comprometida devido à baixa capacidade de investimento de alguns municípios. “Dos recursos arrecadados no Brasil, a maior parte vai para a União e uma menor parte para estados e municípios, mas, na área de educação, a maior parte das matrículas são nas redes municipais. O ideal é que a gente assegure às redes de ensino recursos que sejam suficientes para um padrão mínimo de qualidade e é para isso que serve o CAQ e o CAQi. Sobre isso, já temos uma matéria normatizada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e é importante a União reconhecer e validar este mecanismo”, afirma.
O CAQi e CAQ são dois parâmetros para se garantir um investimento mínimo por aluno ao ano para se garantir insumo para um educação de qualidade. Ambos são calculados com base no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional, a partir dos indicadores de gastos com qualificação, remuneração e carreira do pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos, material didático, alimentação e transporte escolar.
De acordo com a Lei do Plano, o governo federal terá até três anos para implementar o CAQi, já definido e reconhecido pelo
Parecer 8/2010 do CNE, e mais três anos para definir o valor do CAQ. Deverá ainda definir, por Lei, como será feito o cálculo para complementação em todas as unidades da federação que não atingirem o valor mínimo.
Sistema Nacional de Educação
A elaboração de Lei específica para regulamentar o Sistema Nacional de Educação (SNE) e a colaboração entre os entes federados – tema central da Conae 2014 – está prevista no PNE, em sua estratégia 20.9, e deverá ser realizada no prazo de até dois anos após a entrada em vigor do Plano.
A falta de regulamentação do SNE é apontada por Carlos Alberto Caetano, presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso (CEPIR-MT) e membro do Conselho Estadual de Educação do estado (CEE-MT), como responsável, por exemplo, pelo fechamento de diversas escolas quilombolas. “Essas escolas são quase todas na rede municipal. Os prefeitos alegam não ter orçamento para manter essas escolas na zona rural, com poucos alunos, e esta é uma característica dos quilombos”, explica. Para ele, a União deveria garantir o direito a uma educação territorializada para esta população.
Uma primeira proposta de Lei para regulamentar o Sistema, o Projeto de Lei Complementar
(PLP) nº 413/2014, de autoria do deputado Ságuas Moraes (PT-MT), já tramita na Câmara. Para Daniel Cara, o projeto é problemático, mas a Conae pode contribuir para o debate no Legislativo. “A Conferência vai trabalhar sobre esses projetos de lei, não analisando cada um deles, mas determinando quais são os limites através das emendas que a Conferência posicionou. A Conae não deve analisar nada que esteja fora do próprio documento base, mas dentro dele já tem muito pano para manga para debater o Sistema Nacional de Educação”, diz.
Arlindo Cavalcanti de Queiroz, coordenador da Comissão Especial de Sistematização e Monitoramento do Fórum Nacional de Educação (FNE), acredita que estabelecer as diretrizes para o Sistema Nacional de Educação deverá ser o principal objetivo do documento final desta Conferência.
Planos Municipais e Estaduais de Educação
O Artigo 8º do PNE prevê que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas no PNE”. De acordo com o mesmo artigo, o prazo é de um ano a partir da publicação da Lei do Plano, até 26 de junho de 2015.
De acordo com os últimos dados disponibilizados pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2011, 62% dos estados e 34% dos municípios ainda não elaboraram seus planos de educação. Levantamento mais recente do Ministério da Educação (MEC), a partir do Plano de Ações Articuladas, aponta que atualmente 71% dos municípios brasileiros ainda não têm leis decenais que orientam a educação em seus territórios em vigência.
O secretário de assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, acredita que a elaboração ou revisão de plenos locais é uma tarefa grande para um período curto. Para ele, porém, a Conae pode contribuir com esta missão por “mobilizar, estimular o debate, manter os segmentos mobilizado para que não se venha a perder prazos dentro da PNE”.
Na mesma linha, Arlindo Queiroz argumenta que a presença de delegados de todas as regiões do país ajuda a propagar as dicussões da etapa nacional para a realidade local. “Nesta etapa nacional, são delegados que vem de vários recantos do país e eles voltarão para os vários municípios neste clima de engajamento e de mobilização para discutir estes planos locais com os entes federados e com a comunidade. O fato de ter todos estes delegados mobiliza a sociedade brasileira para que se tenha celeridade”, argumenta.
Para além do PNE
Para Alessio, a Conferência atual também reacende alguns pontos que foram acordados no documento final da Conae de 2010 e que não ficaram no texto do atual PNE. “Em vários pontos tivemos discussões que ficaram prejudicadas, sobretudo na questão da destinação de recursos públicos exclusivamente para a educação pública. A própria educação inclusiva estará sendo discutida novamente, para que atenda a diferentes interesses”, diz, em referência à possibilidade de convênios públicos com instituições privadas para atendimento na educação especial, conforme previsto na Meta 4 “universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”.
Lula Ramires, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), também acredita na necessidade de resgatar pontos do documento final da Conae 2010, com destaque para questões relacionadas à diversidade. “A aprovação do PNE implicou em diversos ganhos e algumas perdas e retrocessos. Para quem trabalha com gênero e diversidade sexual, por exemplo, esses elementos foram retirados por pressão dos setores conservadores da sociedade. No entanto, o fato de o PNE ter sido votado desta forma não significa que vamos cruzar os braços, inclusive porque a sociedade é dinâmica e as questões avançam à medida que nos mobilizamos para defender nossas pautas e para mostrarmos a importância que elas têm”, defende.
Na mesma linha, Heleno Araújo defende que o documento final da Conae 2014 deve reafirmar posições, independentemente do que diz o PNE. “Vamos fazer este cotejamento entre o PNE e o texto base da Conae. O que não foi contemplado no Plano, nós vamos lutar para manter no documento final da Conae, porque ali é o espaço das lutas e das reivindicações. Quem sabe até conseguimos consolidar algumas questões nos Planos Estaduais e Municipais de Educação?”, questiona.
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