Brasil, 13 de maio de 2013.
Após 143 dias, o relator do Plano Nacional de
Educação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, Senador José
Pimentel (PT-CE), apresentou seu novo relatório sobre a matéria. De 17 de
dezembro de 2012 a 09 de maio de 2013, a educação pública brasileira aguardou
ansiosamente pelo parecer, na esperança de ver serem mantidas conquistas
importantes no texto aprovado na Câmara dos Deputados. Adicionalmente, ansiava
por aperfeiçoamentos no texto das Metas 4, 7 e 19, e suas respectivas
estratégias.
No entanto, embora o relatório do Senador Pimentel
tenha melhorado na forma, em aspectos conceituais e práticos retrocede.
A nova redação da Meta 4, que trata, principalmente,
da inclusão das pessoas com deficiência na rede regular de ensino, traz
retrocesso conceitual. Ao ressalvar a inclusão em “casos específicos atestados
por laudo médico competente, validado pelos sistemas de ensino”, se equivoca em
dois aspectos: em primeiro lugar, o direito à educação é um direito humano e
constitucional, não pode ser ressalvado em quaisquer hipóteses. Em segundo
lugar, retoma um paradigma superado em todo mundo: aquele que trata a
deficiência como doença, correndo-se o risco de medicalização da educação.
Diferente de todas as demais metas e tópicos do PNE,
a melhor redação da Meta 4 foi aquela proposta pelo Ministério da Educação, no
texto original do plano, encaminhado em dezembro de 2010 ao Congresso Nacional.
Tanto é assim, que as redações tanto da Meta, como das estratégias, não
receberam propostas de alteração por parte da sociedade civil. Portanto, e
somente nesse caso, é preciso retomar o texto original.
Na Meta 5, diferente do correto texto da Câmara dos
Deputados, que serviu de referência ao PNAIC (Programa Nacional de Alfabetização
na Idade Certa), a proposta de Pimentel é trabalhar com a idade das crianças e
não com o ano letivo correspondente ao ciclo de alfabetização. O ideal é
congregar ambos. A lei do PNAIC, bastante recente, determina a alfabetização de
todas as crianças até os 8 anos de idade e ao final do 3º ano do ensino
fundamental. É um tema polêmico, mas que vem sendo debatido desde 2003 no
Brasil.
A menção ao 3º ano é necessária, pois a gestão dos
sistemas de ensino não se orienta pela idade dos alunos e sim pelos anos letivos
contados dentro de um ciclo ou etapa da educação básica. Ademais, diferente
daquilo que já foi estabelecido pelo recente programa do Governo Federal e
negociado com os demais entes federados, trabalhadores da educação e pedagogos,
Pimentel propôs uma nova meta: que, ao final do PNE, todas as crianças até os 6
anos de idade estejam alfabetizadas.
Sem retomar importantes questões pedagógicas e
cognitivas, adiantar desse modo uma meta intensamente negociada, provavelmente,
não terá significado prático. É melhor garantir a alfabetização plena aos 8 anos
de idade e ao final do 3º ano do ensino fundamental, tal como já foi estudado e
estabelecido pelo PNAIC, do que alfabetizar rápido e mal todas as crianças até o
6o ano de idade, inclusive correndo-se o risco de se escolarizar a educação
infantil.
Na Meta 11, das mais de 2,2 milhões de matrículas de
educação profissional a serem criadas, segundo projeções do deputado Angelo
Vanhoni (PT-PR), relator do PNE na Câmara dos Deputados, foi determinado que
metade delas, cerca de 1,1 milhão, fosse de responsabilidade do Poder Público.
Já na Meta 12, também pelo texto da Câmara dos Deputados e, novamente, conforme
as estimativas do deputado paranaense, das quase 6 milhões de matrículas a serem
criadas no ensino superior, 40% deveriam ser públicas (2,4 milhões).
Em nota, conforme informa matéria publicada hoje no
jornal “O Estado de S. Paulo”, o Ministério da Educação afirma que com as
medidas, o relatório de Pimentel protege “programas vitais, que promovem a
inclusão, como o Ciência sem Fronteiras, o Programa Universidade Para Todos
(ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e
o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)”.
Na letra fria do texto, não é disso que se trata. Em
ambas as metas, 11 e 12, o texto do relator na CAE do Senado Federal substitui a
expansão de vagas públicas (ainda que em número menor) por vagas gratuitas. Ou
seja, não apenas amplia iniciativas como o ProUni e Pronatec, programas
importantes, mas com características emergenciais e transitórias, mas compreende
que toda a expansão de vagas se dará por eles, ou por iniciativas similares de
parcerias público-privadas ainda não discutidas, o que é ainda mais preocupante
e temerário, haja vista que o PNE é um instrumento do Estado brasileiro, com
abrangência superior e anterior aos mandatos dos governos.
Em outras palavras, especialmente o governo federal,
mas também os governos subnacionais, serão desresponsabilizados de expandir a
educação profissional e o ensino superior em estabelecimentos próprios,
marcadamente aqueles que apresentam melhor qualidade e que tem sido centrais ao
desenvolvimento do país. Ao contrário, poderão ser promovidos programas de
bolsas de estudo em estabelecimentos bem menos qualificados, o que é muito menos
custoso, mas nada estratégico em termos econômicos. Em resumo, o Brasil precisa
superar sua tradição de apenas expandir matrículas. É preciso incluir os jovens
em cursos de educação profissional e superior que ofereçam educação de
qualidade.
A desresponsabilização do Poder Público nas Metas 11
e 12 acarretou consequências ao texto da Meta 20. Nesse caso específico, a
redação da Câmara dos Deputados respeitava, corretamente, o princípio do
financiamento público para a educação pública, a partir das projeções
discorridas acima e outras, relativas à educação básica. Por lógica, o conjunto
do Estado brasileiro só pode e deve projetar demanda de custos sobre os
estabelecimentos de sua responsabilidade, ou sobre programas formalmente
constituídos. Mas há outros problemas no que tange a sustentação financeira e de
gestão do PNE, relativo ao mecanismo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial),
como será visto mais a frente.
Antes e em primeiro lugar, no texto proposto pelo
relator na CAE do Senado Federal, foi extraída a meta intermediária que
determinava que o investimento público em educação pública deveria alcançar um
patamar equivalente a 7% do PIB até o 5º ano de vigência do PNE. Qualquer plano
sério exige metas intermediárias, mas isso foi ignorado. Ademais, com essa
mudança, a presidenta Dilma Rousseff ou qualquer outro/a candidato/a que vença o
pleito em 2014, ficará desreponsabilizado de ampliar o financiamento da educação
pública, deixando todo dispêndio de recursos para seu sucessor. Ou seja, a Meta
mais debatida e estratégica do PNE, se for mantido o texto proposto por
Pimentel, tende a ficar inviável.
Seguindo a sequência do texto, para fazer jus às
perigosas mudanças nas Metas 11 e 12, o investimento público de 10% do PIB
menciona apenas o termo “educação”, permitindo a transferência de recursos
públicos para estabelecimentos privados, sem qualquer delimitação sobre os
programas a serem beneficiados, nem os necessários critérios de transitoriedade.
Com isso, se prevalecer o texto de Pimentel, fica aberta uma porta de saída de
recursos públicos, que ao invés de fortalecer as escolas e universidades
públicas, pode ser determinante para seu enfraquecimento.
Ainda no tocante à Meta 20, o relator desobrigou o
Poder Público, especialmente a União, de implementar o mecanismo do CAQi (Custo
Aluno-Qualidade Inicial). O texto da Câmara dos Deputados exigia a implementação
do CAQi após 2 anos de vigência do PNE. Já na redação de Pimentel, o texto
apenas obriga o Ministério da Educação a “definir” o CAQi no mesmo prazo.
Não se trata de uma mudança pequena. Ao contrário, é
muito grave. O CAQi é a principal referência para se garantir a boa gestão dos
recursos do PNE. Criado em 2007 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
este mecanismo determina quanto deve ser aplicado, por aluno ao ano, para as
escolas públicas garantirem, ao menos, um padrão mínimo de qualidade, conforme
critérios determinados pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e
considerando valores diferenciados para cada etapa da educação básica.
É um instrumento tão sério e reconhecido pela
comunidade educacional, que além de ser aprovado pelos delegados e delegadas da
Conae/2010 (Conferência Nacional de Educação) e constar do Documento Referência
da Conae/2014, foi incorporado e normatizado pela CEB (Câmara de Educação
Básica) do CNE (Conselho Nacional de Educação).
No entanto, infelizmente, o parecer e a proposta de
resolução que normatizam o CAQi, por ora codificado como parecer CEB/CNE 8/2010,
aguarda homologação do MEC (Ministério da Educação) desde maio de 2010; ou seja,
se encontra congelado no Ministério há 3 anos. Em outras palavras, gravemente, o
texto de Pimentel, ao ignorar a séria falta de homologação por parte do MEC,
concede ainda mais 2 anos para a pasta desconsiderar o trabalho realizado pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o voto dos milhões de participantes
da Conae/2010, além da própria deliberação da Câmara dos Deputados, onde o
mecanismo foi amplamente debatido e apoiado. E o pior: não define qualquer prazo
para a implementação desse importante instrumento. Mais uma vez, o Poder Público
fica desresponsabilizado.
E é daí que decorre um grave erro de lógica, pois a
Estratégia 20.8 diz que a União deverá complementar recursos aos Estados e
Municípios que não alcançarem o valor o CAQi. No entanto, não é possível haver
complementação de recursos por meio de um mecanismo que sequer tem prazo para
implementação. Assim, segundo o próprio texto do relator, a União ficará mais
uma vez desresponsabilizada de cumprir com sua obrigação constitucional,
determinada pelo Art. 211 da CF/88, de colaborar técnica e financeiramente com
os demais entes federados, de forma supletiva.
Para piorar o quadro, infelizmente, diferente do
ocorrido em outras Metas e Estratégias, não há no relatório qualquer
justificativa para as alterações nos tópicos que tratam do mecanismo do
CAQi.
A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
espera que os senadores e senadoras – especialmente, o próprio relator da
matéria na CAE, Senador José Pimentel – aprovem um texto de PNE capaz de
confirmar e aperfeiçoar as conquistas estabelecidas na Câmara dos Deputados.
É preciso que o texto do Senado Federal amplie as
conquistas, com celeridade. E isso não será possível aprovando-se um texto
incapaz de responsabilizar seriamente o Estado brasileiro por meio de mecanismos
concretos e objetivos de fortalecimento da educação pública, que é a educação de
todos e todas, para todos e todas.
O Brasil precisa de um “PNE pra Valer!”. E nós, rede
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, vamos trabalhar incansavelmente
por esse objetivo, cumprindo com nosso papel mobilizador, articulador, analítico
e propositivo, certos de que teremos uma boa interlocução com todos os senadores
e todas as senadoras.
Assina: Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Ação Educativa
ActionAid Brasil
CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)
Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)
CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)
Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)
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