Há mais de dois anos no Congresso, o projeto de lei que valida o PNE 2011-2020 (Plano Nacional da Educação) segue sem aprovação. Para especialistas em educação, o impasse na aprovação das 20 metas do novo PNE é fruto de uma disputa de interesses de grupos políticos e econômicos que envolve o Executivo e o Legislativo e da falta de compreensão dos parlamentares sobre a prioridade que deve ser dada à educação pública.
Para Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o Congresso é influenciado por grupos poderosos que travam o debate. "O lobby das empresas de ensino privado no Congresso é muito forte. Eles certamente não têm interesse em que se aprove um aumento substancial dos investimentos em educação pública", afirma.
"No fundo, o que nós temos é a velha dicotomia entre os que defendem o incentivo ao ensino privado e os que defendem o fortalecimento da educação pública. Isso vem desde a década de 1960, com os militares, que expandiram o ensino público sem garantir que ele tivesse as condições de manter os níveis de excelência que possuía. Não podemos continuar incentivando esse processo", acrescenta.
A meta 20, que define o volume e o destino final dos recursos públicos investidos em educação, representa o maior entrave para a aprovação do PNE no momento. Após a Câmara dos Deputados aprovar a meta de investimento equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) até o fim da década, o texto seguiu para o Senado, onde ganhou a relatoria do senador José Pimentel (PT-CE).
Pimentel defende que no cálculo dos 10% do PIB também sejam incluídos os gastos públicos indiretos, o que inclui bolsas de estudo do Prouni (Programa Universidade Para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que beneficiam a rede particular de ensino superior, além de outros convênios com a iniciativa privada. Pimentel considera necessário contemplar parcerias, como as que existem com o Sistema S, por exemplo.
Salto de qualidadeO atraso
Os críticos da medida alegam que isso, na prática, reduziria o percentual de comprometimento em relação ao PIB para algo em torno de 8,5%, mesmo com o reforço dos ganhos com a exploração do petróleo na camada pré-sal. Hoje, o país investe em educação o equivalente a 5,3% do PIB.
Amaral alerta para a "oportunidade histórica" de elevar os investimentos no setor, levando em conta as transformações demográficas que o país enfrentará nas próximas décadas. "A partir de 2030, a população brasileira deixará de crescer, por conta da baixa taxa de natalidade. Se não investirmos o suficiente em educação agora, teremos uma população envelhecida e deseducada", prevê."Não será possível dar um salto de qualidade na educação sem o investimento de 10% do PIB a partir da próxima década. Esse é o percentual mínimo, segundo cálculos da maioria dos pesquisadores, para garantir que todas as outras metas sejam cumpridas", garante Nelson Cardoso Amaral, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás).
O pesquisador cita como exemplo os casos da Coreia do Sul e do Japão, que nas décadas de 1960 e 1970 elevaram o investimento público e revolucionaram seus sistemas de educação.
"O que o governo e os parlamentares precisam ter em mente, é que, no futuro, esse nível de investimento pode e deve ser reduzido, para algo em torno de 6% do PIB, que é a taxa média praticada nos países desenvolvidos". Isso será possível porque cairá o número brasileiros em idade educacional; hoje são 82,5 milhões e passariam a ser 65,4 milhões em 2030.
As discussões sobre o novo PNE se intensificaram no fim de 2010, quando o governo enviou o PL 8.035 ao Congresso para substituir o plano anterior, que vigorou entre 2001 e 2010 e não cumpriu a maior parte das metas. "O PNE anterior praticamente não existiu, porque o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a vinculação de 7% do PIB e isso prejudicou completamente sua aplicação", relembra Amaral. "Sem uma meta objetiva de investimentos, qualquer plano está fadado ao fracasso".
Desde 2010, o projeto tem tido uma tramitação lenta e conturbada no Congresso, o que deixa o país, na prática, sem um programa de metas para orientar as ações de Estados, municípios e do governo federal.
"A falta de um plano de metas em vigor desestabiliza e enfraquece as ações do poder público na área da educação. As coisas continuam acontecendo, mas sem a coordenação e a unidade garantida por uma base legal", avalia Carmenísia Jacobina Aires, professora da faculdade de educação da UnB (Universidade de Brasília).
Para a professora, que participou de audiências públicas na Câmara para debater o plano, o atraso na votação revela a "falta de prioridade" dos parlamentares em relação à educação.
A expectativa do senador José Pimentel é que o Senado conclua a votação do PNE em junho. Se houver alterações de mérito, a proposta terá de voltar à Câmara. Com isso é pouco provável que o novo PNE seja aprovado antes do fim do segundo semestre.
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